segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Poemas - Brasão, Mar Português e o Encoberto



"Brasão"
O DOS CASTELLOS
A Europa jaz, posta nos cotovellos:
De oriente a Occidente jaz, fitando,
E toldam-lhe romanticos cabellos
Olhos gregos, lembrando. 
O cotovello esquerdo é recuado;
O direito é em angulo disposto.
Aquelle diz Italia onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se appoia o rosto. 
Fita, com olhar sphyngico e fatal,
O Occidente, futuro do passado. 
O rosto que fita é Portugal.


Analise

Tal como neste poema da “Mensagem”, a estrofe de “Os Lusíadas” indica Portugal como “cabeça da Europa toda” atribuindo-lhe uma missão predestinada. Mas “n’Os Lusíadas” essa missão é ditada pelo “Céu” que quis que Portugal vencesse na luta contra os mouros enquanto que na “Mensagem” a missão de Portugal será mais abrangente


O DAS QUINAS
Os Deuses vendem quanto dão.
Compra-se a gloria com desgraça.
Ai dos felizes, porque são
Só o que passa! 
Baste a quem baste o que lhe basta
O bastante de lhe bastar!
A vida é breve, a alma é vasta:
Ter é tardar. 
Foi com desgraça e com vileza
Que Deus ao Christo definiu:
Assim o oppoz à Natureza
E Filho o ungiu. 
Analise 

"Os Deuses vendem quando dão" é uma frase que remonta pelo menos à Grécia Clássica e que corresponde a uma visão mesquinha da divindade: os favores dos deuses pagam-se!
"Ai dos felizes porque são só o que passa"- a felicidade é transitória e os que se contentam em ser apenas felizes não têm consequência na História; "Baste a quem baste...etc"- a mesma noção referida: a quem basta o que tem, por esses limites se fica! "ter é tardar"- a posse do bastante adia os cometimentos.
"Foi com desgraça e...etc"- mas Deus tem outro ideal: concebeu o Cristo para ser infeliz e baixo (e, contra a natureza humana, para não desejar felicidade material ou posses) e, tendo-o assim determinado, sagrou-o como Filho, mostrando o Seu caminho (não material, mas espiritual). O campo das quinas simboliza, em geral, a espiritualidade em Portugal, o sonho. Em particular é um elogio ao sacrifício da felicidade material a altos ideais (que o poeta cria ser o seu próprio caso).


"Mar Português"


O INFANTE
Deus quere, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quiz que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma, 
E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo. 
Quem te sagrou creou-te portuguez.
Do mar e nós em ti nos deu signal.
Cumpriu-se o Mar, e o Imperio se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
Analise
Este poema (“O infante”) foi criado para estabelecer uma relação passado/presente/futuro. Deus quis que os portugueses sonhassem o desvendamento do mar, fazendo nascer a obra dos descobrimentos.
Os portugueses no passado cumpriram, a missão divina, desvendando os mares desconhecidos e criando o Império. Mas este desfez-se e, no presente, Portugal é uma pátria sem glória que falta “cumprir-se” daí o apelo profético expresso no último verso exclamativo, ao cumprimento do destino mítico do Portugal.


HORIZONTE
Ó mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mysterio,
Abria em flor o Longe, e o Sul siderio
Splendia sobre as naus da iniciação. 
Linha severa da longinqua costa –
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em arvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, ha aves, flores,
Onde era só, de longe a abstracta linha. 
O sonho é ver as fórmas invisiveis
Da distancia imprecisa, e, com sensiveis
Movimentos da esprança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A arvore, a praia, a flor, a ave, a fonte –

Os beijos merecidos da Verdade. 

Analise 

Neste poema de grande lirismo e beleza, Pessoa descreve o encantamento dos navegadores quando, ao aproximarem-se de desconhecidas costas, tornavam concreto o que antes era apenas abstracto (mistério). O descobrimento como revelação, segue o tema geral de Mensagem, que é uma obra eminentemente intelectual, ocultista, simbólica. Em verdade, os navegadores não poderiam revelar conscientemente, porque não eram – crê-se – habilitados para tal, pois não eram “iniciados” nas artes ocultas que Pessoa tão bem domina. Se revelam, é então porque uma vontade superior os leva a tal e lhes controla o Destino. 

Lendo a segunda estrofe, há uma insistência no mesmo tema. “Linha severa da longínqua costa (…) ergue-se a encosta (…) onde era só, de longe abstracta linha”. O abstracto torna-se concreto, com a revelação do mistério.
Toda a descrição se realiza em pleno na terceira estrofe onde Pessoa, aproveitando o balanço do raciocínio anterior, chega à conclusão que pode equiparar o sonho a ver essas “formas invisíveis da distância imprecisa” (a linha distante da costa) e “buscar na linha fria do horizonte a árvore, a praia (…) os beijos merecidos da Verdade”. A metáfora do sonho é de facto perfeita e o efeito poético pleno de oportunidade e equilíbrio. Mas temos de nos lembrar que se “os navegadores sonharam”, foi “Deus quem quis” (do poema “Infante”).



"O Encoberto" 


D. SEBASTIÃO
Sperae! Cahi no areal e na hora adversa
Que Deus concede aos seus
Para o intervalo em que esteja a alma imersa
Em sonhos que são Deus. 
Que importa o areal e a morte e a desventura
Se com Deus me guardei?
É O que eu me sonhei que eterno dura,
É Esse que regressarei.


Analise

Este poema trata-se de uma homenage a D. Sebastião, marca tambem dois momentos que correspondem a primeira e a segunda estrofe, na primeira parte da obra observa-se o discurso de terceiras pessoa e tom interrogativo.
O areal  simboliza a morte, a desventura, o imenso vazio.


O DESEJADO

Onde quer que, entre sombras e dizeres,
Jazas, remoto, sente-se sonhando,
E ergue-te do fundo de não-seres
Para teu povo fado! 
Vem, Galaaz com patria, erguer de novo,
Mas já no auge da suprema prova,
A alma penitente do teu povo
À Eucharistia Nova. 
Mestre da Paz, ergue teu gladio ungido,
Excalibur do Fim, em geito tal
Que sua Luz ao mundo dividido
Revele o Santo Gral! 

Analise

Tom exortativo, marcado pelo recurso ao imperativo. A projeção do mito do Santo Gral no "desejado". O herói imaculado, qual Galaaz e "Mestre da Paz", deverá erguer o seu gládio, "Excalibur" abençoado, e revelar o cálice do Santo Gral, contendo o sangue de Cristo, que dará a "Luz" ao "mundo dividido". O Gral está perto e não se vê e, por isso, é preciso a aventura espiritual




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