segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Visão critica em Memorial do Convento

A perspectiva do narrador em Memorial do Convento apresenta uma visão crítica da sociedade portuguesa da primeira metade do século XVIII. Com isto verificamos que a obra transpõe a classificação de romance histórico, pois não se trata apenas de uma reconstituição de um acontecimento histórico, é antes um testemunho intemporal e universal do sofrimento de um povo sujeito à tirania da corte e sociedade da altura.

Na obra predomina o tom irónico (e até mesmo sarcástico) do narrador. É descrito o comportamento leviano do rei, a sua vaidade desmedida e as promessas megalómanas de que resulta o sofrimento do povo.

O clero, que exerce o seu poder sobre o povo, também não escapa ao olhar crítico do narrador. A actuação da Inquisição é criticada ao longo do romance, nomeadamente, através da apresentação de diversos autos-de-fé e das pessoas que contemplam as fogueiras onde se queimam os condenados.

Verificamos, assim, que a crítica prevalece nas personagens de estatuto social privilegiado pois o narrador denuncia as injustiças sociais, a omnipotência dos poderosos e a exploração do povo que é evidenciada nas miseráveis condições de trabalho dos operários do convento de Mafra; isto acontece ao mesmo tempo que denota empatia face aos mais desfavorecidos, cujo esforço elogia e enaltece.

A crítica ainda se estende à Justiça portuguesa da altura, que castigava os pobres e despenalizava os ricos.

Em suma, Memorial do Convento, ao problematizar temas perfeitamente adaptáveis à época contemporânea do autor, constitui acima de tudo uma reflexão crítica, conducente a uma releitura do passado e à correcção da visão que se tem da História

O narrador em Memorial do Convento

O narrador em Memorial do Convento
O narrador é o produtor da ficção, o estruturador do texto. A sua principal função é a apresentação dos fatos (função narrativa). No entanto, nada é impedimento para manifestar a sua opinião própria em relação à narração, às personagens, ao tempo, ao espaço ou ao ambiente social dessa narrativa.
Em Memorial do Convento temos a perceção de um narrador que: descreve paisagens, situações, fatos acontecidos e a acontecer, estados de alma; sintetiza, usando provérbios populares ou reinventando-os; profetiza; se apaga face às personagens ou que as manipula; ironiza, distanciando-se ou comprometendo-se com a vivência da personagem; domina integralmente a História ou que se limita às suas eventualidades. Nesta obra, o narrador assume-se como a voz que está de fora e conta a história com apartes e comentários, uma voz distanciada, impessoal e intemporal, com marcas de oralidade, como se estivesse a comentar a história que estaria a contar em voz alta. No domínio temporal, é isto que o torna omnisciente. Mas por vezes, o narrador adota o olhar de uma personagem, vê a realidade pelos seus olhos – focalização interna – através da qual adota um ponto de vista (“ e esta sou eu, Sebastiana Maria de Jesus…”).
Assim, o narrador movimenta-se entre o passado, o presente e o futuro; é detentor de um vasto conhecimento que lhe permite controlar a ação e as personagens

Linguagem e estilo de José Saramago

A primeira impressão que se tem ao ler um texto de Saramago é que o seu estilo e a sua linguagem brotam de uma forma súbita, demolindo as regras tradicionais. A linguagem de Saramago reinventa a escrita, combinando características do discurso literário com o discurso oral, construindo uma narrativa marcada por uma cumplicidade entre o narrador e o narratário.

         Assim podemos referir como marcas essenciais da prosa de Saramago:
_ A ausência de pontuação convencional, sendo a vírgula o sinal de pontuação de maior relevância, marcando as intervenções das personagens, o ritmo e as pausas;
O uso revolucionário da maiúscula no interior da frase;
O emprego de exclamações e “apartes”;
A utilização predominante do presente – marca do fluir constante do narrador entre o passado e o presente;
A mistura de discursos – discurso direto, indireto, indireto livre e monólogo interior – que aponta para uma memória da tradição oral, em que contador e ouvintes interagem;
A coexistência de segmentos narrativos e descritivos sem delimitação clara;

A presença constante de marcas de informalidade/espontaneidade construídas pela relação narrador/narratário;
A intervenção frequente do narrador através de comentários, o que dificulta a identificação das vozes intervenientes;
_ O tom simultaneamente cómico, trágico e épico;
O discurso reflexivo também construído pelo emprego de provérbios e ditados populares.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Espaço Fisíco/ Social/ Psicológico

Espaço Físico:

- São dois os espaços físicos nos quais se desenrola a acção: Lisboa e Mafra (macroespaços).



Lisboa: descrevem-se vários espaços dos quais se destacam o Terreiro do Paço, o Rossio e S. Sebastião da Pedreira.



Mafra: passa da vila velha e do antigo castelo nas proximidades da Igreja de Santo André para a vila nova em cujas imediações se vai construir o convento. A vila nova cria-se justamente por causa da construção do convento.
Mircroespaços:
  • Terreiro do Paço
  • Rossio
  • S. Sebastião da Pedreira
Terreiro do Paço


Local onde Baltasar trabalha num açougue, após a sua chegada a Lisboa. É um espaço fulgurante de vida, com grande importância no contexto da sociedade lisboeta da época.
Rossio

Este espaço aparece no início da obra como local onde decorre o auto - de - fé. A procissão propriamente dita saía na manhã de domingo da sede do Santo Oficio e percorria a cidade da Lisboa antes de chegar ao local da leitura das sentenças, numa das praças centrais. À frente seguiam os frades de S. Domingos com o pendão da Inquisição. Atrás destes os penitentes por ordem de gravidade das culpas, cada um ladeado por dois guardas. Depois, os condenados à morte, acompanhados por frades, seguidos das estátuas dos que iam ser queimados em efígie. Finalmente os altos dignitários da Inquisição, precedendo o Inquisidor – Geral. A sorte dos réus vinha estampada nos sambenitos (Hábito em forma de saco, de baeta amarela e vermelha que se vestia aos penitentes dos autos – de – fé) para que a compacta multidão que se aglomerava soubesse o destino dos condenados


S. Sebastião da Pedreira

Espaço relacionado com a passarola do Padre Bartolomeu e com o carácter mitico da máquina voadora. A passarola insere-se na narrativa como um mito, do qual o homem depende para viver, mito proibido mas que se evidenciará e se deixará ver pelo voo espectacular que se realizará, mostrando que ao homem nada é impossível e que a vida é uma grande aventura. S. Sebastião da Pedreira era, àquele tempo, um espaço rural, onde não faltavam fontes, terras de olival, burros noras, e onde se situava a quinta abandonada. Ali irão as personagens, variadíssimas vezes e pelas razões mais diversas.

Espaço Social:

O espaço social é o lugar de atuação das personagens enquanto seres sociais. O ponto de vista sociológico em que o narrador se coloca permite-lhe apresentar um quadro claro da vida social do século XVIII.
_ A vida na corte, com a apresentação do séquito real, do vestuário das personagens, das vénias protocolares, do ritual das relações entre o rei e a rainha e todos aqueles que frequentam o paço, sobretudo o clero (Cap. I);
_ Diversas procissões, nomeadamente, a de penitência pela altura da Quaresma (Cap. III), a dos autos-de-fé (Cap. V e XXV); a do Corpo de Deus em Junho (Cap. XIII); que atestam a influência da religião na sociedade;
_ O batizado da princesa Maria Bárbara no dia da Nossa Senhora do Ó (VII);
_ A tourada em Lisboa, no Terreiro do Paço (IX);
_ Os festejos da inauguração e da bênção da primeira pedra do convento de Mafra (XII);
_ As lições de música da infanta Maria Bárbara ministradas por Domenico Scarlatti (XVI);
_ A epidemia de cólera e febre-amarela que dizima o povo (XV);
_ O cortejo nupcial que retrata os casamentos da infanta Maria Bárbara e do príncipe D. José com o príncipe e infanta espanhóis (XXII);
_ Sagração, em 1730, do convento de Mafra, apesar de ainda não concluídas as obras (XXIV)

Espaço Psicológico:

Este espaço é entendido através do monólogo interior em que as personagens revelam o seu íntimo ou representado através do sonho/imaginação da evocação, da memória e da emoção, podendo, também, ser sugerido através da descrição de atmosferas ilustrativas do pensamento predominante de uma época.
Ora, em Memorial do Convento, a vida da sociedade do século XVIII pauta-se por uma religiosidade fanática e opressiva que dita as regras do comportamento social. É exemplo deste espaço psicológico quando Baltasar relembra o momento em que perdeu a sua mão esquerda na guerra.

Dimensão simbólica e elementos simbólicos em memorial do convento

Baltasar Sete – Sóis / Blimunda Sete – Luas



Baltasar e Blimunda são personagens heróicas. Regressado da frente da batalha, Baltasar apresenta uma “deformidade física”.

Em termos simbólicos liga-se a Blimunda, também diferente pela sua capacidade de “olhar por dentro das pessoas”.

Simbolizam o Sol/ a Lua, o dia/ a noite, e a Luz/a Sombra, a união dos opostos, o universo divino e o universo humano.



Padre Bartolomeu



Representa o ser fragmentário, dividido entre a religião e a alquimia. Simboliza a aspiração humana (voo da passarola), conferindo sacralidade ao acto humano de construir e sonhar.



Domenico Scarlatti



Ligado à música, representa o transcendente. Simboliza a ascensão do homem através da música e ligado também ao mito Orpheu
 
 
 




Elementos Simbólicos



Sete – é a soma dos pontos cardeais com a trindade divina, representa a totalidade do universo em movimento.

Nove - representa a gestação, a renovação e o renascimento.

Blimunda procura Baltasar durante nove anos.

Passarola – é o elo de ligação entre o céu e a terra, representa a alma humana que ascende aos céus. Simboliza a libertação dos espíritos e a passagem a um outro estado de existência.
 
Mãe da pedra -  Uma outra situação-acontecimento de cariz mítico em Memorial do Convento constitui-se com a gesta heróica, epopeica, do transporte da pedra gigante de mármore, amãe da pedra, de Pêro Pinheiro para Mafra. Desde o início, a narração anormaliza assituações descritivas: o tamanho gigantesco da pedra, o carro especialmente construídop para o seu transporte (uma “nau da Índia”), as duzentas juntas de bois e os seiscentos homens necessários para o puxarem, os difíceis obstáculos do caminho, à semelhançadas narrativas de heróis clássicos, em que se anunciam os “trabalhos” fabulosos que terão de ser contornados e o esforço imperioso, mais do que humano, que terá de ser despendido.